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Por mudanças no currículo das engenharias

A Escola Politécnica da USP pratica uma estrutura curricular concebida sob diretrizes que datam de meados da década de 80. Naquela época, era muito forte a política da especialização, fruto do milagre econômico. O objetivo era colocar no mercado um engenheiro produzindo logo após sua formatura.

Essa política se tornou paradigma das estruturas curriculares de várias faculdades, de modo que houve uma proliferação das especialidades, a ponto de o CREA (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia) registrar mais de 300 habilitações.

Tal prática se tornou danosa para os estudantes deste século, pois nossos engenheiros precisam estar habilitados a trabalhar em equipes multiprofissionais, abertos para um mundo em que a prática as inovação é a palavra de ordem.

Outra questão vital que justifica a formação generalista são as novas características do mercado. A longa permanência no emprego é coisa do passado. Mesmo no Japão isso não acontece mais.

É comum o engenheiro mudar de atividade mais de cinco vezes ao longo de sua carreira, de modo que não basta mais uma formação sólida nas disciplinas tecnológicas.

Exige-se também boa formação em economia e em psicologia, para ter condições de avaliar a viabilidade econômica e as questões de marketing de seus projeto, pois essa é a tríade que leva à inovação.

O enfoque deve ser temático, pois todos os cursos devem ser focados para os grandes desafios da humanidade neste século: a energia, a sustentabilidade, a água e a saúde. Os estudantes precisam ser estimulados a realizar projetos em que tais desafios sejam discutidos.

Nossa tradição é apresentar uma disciplina em detalhes, restando pouco para o aluno buscar uma informação por meio do autoaprendizado. Na Europa e nos EUA, a permanência em sala de aula é bem menor do que a nossa, mas os projetos sob orientação são intensos, exigindo uma presença maior do aluno na escola.

Para tanto, a escola deve promover condições adequadas de vivência, como salas de projeto, rede de computadores, oficinas com livre acesso e professores em tempo integral. Uma integração com a pós-graduação é fundamental nesse cenário.

A mobilidade deve ser facilidade, e a equivalência de disciplina deve ser revista, para que mudanças de cursos afetem minimamente a vida do aluno, pois a resolução 1.010 do CREA, que regulamenta o âmbito de atuação dos profissionais, pode não fornecer mais as mesmas atribuições a estudantes de uma mesma habilitação.

A atribuição de créditos também deve ser revista. Várias atividades extraclasse, tais como visitas planejadas e iniciação científica, podem ser creditadas.

Por fim, as ferramentas de ensino a distância devem ser utilizadas, pois não há mais um período específico para o jovem se dedicar aos estudos. Sua agenda mudou muito: deve haver espaço para lazer, para atualizar a rede de relacionamento e, por que não, para exercer atividade remunerada em tempo parcial.

Creio que, assim, poderemos tornar nossos cursos de engenharia mais atraentes e úteis para os grandes desafios deste século.

JOSÉ ROBERTO CARDOSO é diretor da Escola Politécnica da USP.

Fonte: Folha de S. Paulo